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domingo, 4 de janeiro de 2009

Poluição sonora - Barulheira no limite da saúde

Admar José de Souza, 22 anos, imposta a voz e anuncia: “É só hoje. Tem calça jeans masculina a partir de R$ 19,99. Você também encontra calça jeans feminina a partir de R$ 24,99. Aproveita. Você pode parcelar em até três vezes sem juros no cartão Mastercard, e em até quatro vezes sem juros no Visa. E você também pode parcelar em até cinco vezes sem juros no cartão da loja.” Potencializada por um carro de som, a frase é repetida centenas de vezes entre as 9h30 e as 17h30 na Avenida Comercial do Recanto das Emas. 

O exemplo não é isolado por ali. Boa parte das lojas da Avenida Comercial do Recanto das Emas tem caixas de som instaladas ou contrata veículos aparelhados para fazer propaganda. Os anúncios dos locutores são entremeados por música sertaneja, brega, dance ou marchinhas. E, para completar, há, ainda, o tráfego intenso – motoboys acelerando, ônibus com pastilhas de freio gastas, carros com problemas de escapamento. Tanto barulho faz o decibelímetro (aparelho que serve para medir o nível de ruído) oscilar entre 70 e 74 decibéis (dB), bem acima dos 50dB permitidos para esse tipo de área. 

Nos dois últimos anos, o Instituto Brasília Ambiental (Ibram) fez 139 autuações por poluição sonora. O Plano Piloto é o campeão do barulho, com bares e boates desrespeitando os níveis de ruído permitidos pela Lei Distrital nº 4.092/08. Em seguida aparecem Taguatinga, Ceilândia, Gama e Recanto das Emas. Nesses pontos, a poluição vem das caixas de som em frente às lojas ou adaptadas em carros de passeio. “Um quarto das denúncias que recebemos é por poluição sonora. No fim do ano, quando o comércio está ansioso pelas vendas, as reclamações aumentam”, comenta Eduardo Freire, superintendente de Licenciamento, Planejamento de Operações e Fiscalização do Ibram.

Prejuízos 
O barulho é considerado uma espécie de poluição porque provoca diversos prejuízos à saúde. De acordo com a Organização Mundial de Saúde (OMS), no patamar entre 56dB a 75dB, os ruídos causam incômodo. Na faixa seguinte, entre 76dB e 85dB, eles podem afetar a saúde. Já acima dos 85dB e, quando a exposição é prolongada, os danos são certos. “A exposição contínua gera problemas psicológicos e desequilibra o sistema imunológico das pessoas”, explica Felipe Azevedo, chefe do Laboratório de Monitoramento e Controle Ambiental do Centro de Formação de Recursos Humanos em Transportes (Ceftru), da Universidade de Brasília (UnB). 


FIQUE ATENTO 

Poluição sonora 
Toda emissão de som que, direta ou indiretamente, seja ofensiva ou nociva à saúde, à segurança e ao bem-estar da coletividade. 

Tolerância 
A Lei Distrital 4.092/08 define limites de barulho para as diferentes áreas do DF que variam de 30 a 60 decibéis. A classificação é feita de acordo com o uso da área e os horários do dia. 

Problemas à saúde 
A poluição sonora pode provocar úlcera, estresse, desequilíbrios psicológicos e problemas de audição. Também pode aumentar o risco de infarto, derrame cerebral e hipertensão.

Número 
1/4 dos 552 autos de infração aplicados pelo Ibram nos dois últimos anos foram por poluição sonora. As localidades onde os fiscais viram maior número de situações em que o barulho ultrapassava o nível permitido foram Plano Piloto, Taguatinga, Ceilândia, Gama e Recanto das Emas.

O agricultor aposentado Olímpio Eustáquio de Araújo, 60 anos, mora no terceiro andar de um prédio localizado na Avenida Comercial de Taguatinga, um dos pontos mais barulhentos do DF, de acordo com as autuações feitas pelo Ibram nos dois últimos anos. O barulho que vem da rua é tamanho que faz os móveis da casa de Olímpio vibrarem. “Eu morava em chácara. Lá, ouvia o canto dos passarinhos. Aqui, sou obrigado a escutar música ruim”, reclama o agricultor aposentado. Mas, para ele, o que mais incomoda é o tráfego. “É preciso organizar alguma fiscalização para os ônibus. Eles estão velhos e sem regulagem”, reclama Olímpio, que pretende instalar um blindex na varanda para barrar as ondas sonoras.

Já a recepcionista Michele Pereira dos Santos, de 26 anos, vive na Quadra 102 do Recanto das Emas, uma das que estão atrás da Avenida Comercial. A casa de Michele fica a pelo menos 200 metros da Comercial, mas de lá ainda é possível ouvir o movimento da rua. “Não há sossego. De dia, o comércio faz propagandas. De noite, os bares e restaurantes insistem em música ao vivo ou som mecânico”, reclama. Michele, no entanto, diz que já se acostumou à situação porque não há outro jeito. “Eu até já consigo dormir de dia”, brinca ela, que trabalha à noite. 

Segundo Felipe Azevedo, do Ceftru, os danos à saúde existem mesmo quando as pessoas dizem já terem se acostumado com os ruídos. “Ainda que o cidadão garanta que não se incomoda, ele continua sendo afetado pela poluição sonora”, afirma o chefe do Laboratório de Monitoramento e Controle Ambiental do Centro de Formação de Recursos Humanos em Transportes (Ceftru). Em medições que o laboratório do Ceftru fez na W3, L2 e Eixinhos em 2007, o nível do ruído estava acima do recomendado pela OMS. Nesta época, a Lei n° 4.092/08 não havia entrado em vigor.

Clientes no grito 
Para atrair clientes, quase todas as lojas da Avenida Comercial do Recanto das Emas se valem de carros de som ou alto-falantes. “Aqui, é no grito. Senão, a loja esvazia”, explica o gerente da Tesoura de Ouro, Francisco Valdemir, responsável por ter colocado o vendedor Admar José de Souza na função de locutor no fim do ano passado. “Sem o som, o movimento cai 30%”, estima o gerente. 

Luís Carlos Bórgea, da Luart Calçados, localizada na mesma avenida, também garante que sem a dupla locutor/microfone não há como prosperar no comércio da cidade. “O cliente entra na loja por causa das ofertas que o locutor anuncia. Todo mundo aqui contrata locutor. Eu também tenho de contratar”, justifica Luís Carlos Bórgea. 

Em 2008, o Ibram concentrou ações contra a poluição sonora nos estabelecimentos comerciais. Lojas que usavam carros de som ou microfones para anunciar ofertas foram multadas em Taguatinga, Gama e Paranoá. O órgão de fiscalização também assinou acordo com grandes cadeias comerciais com filiais espalhadas pelas principais cidades do DF. “O problema é que o comerciante não abre mão se o vizinho de porta também não abrir. Por isso, pedimos ajuda para as associações comerciais”, explica Juraci Luiz Mendonça, gerente de controle, planejamento e operações do Ibram. Apesar de assegurado pela Lei n° 4.092/08, o poder de ação do Ibram é limitado. Para realizar as ações de combate à poluição sonora em todo o DF, há apenas dois fiscais especializados.

4 comentários:

  1. Eu não entro em loja que tem som alto, prefiro as que atraem clientes pelo silêncio.

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  2. Gostaria de solicitar seu apoio para divulgação na medida do que for possível de um vídeo recém postado (http://www.youtube.com/watch?v=xmsmW1weKkM) feito por moradores de Taguatinga Sul sobre os crimes ambientais e contra o direito de repouso de mais de 50 famílias cometidos pelo Rotary Clube International, em sua sede localizada de Taguatinga Sul (Casa da Amizade de Taguatinga, QSC 01 Área Especial n. 4, Taguatinga Sul, DF, Distrito 4530, Tel.:+55 61 35623000). Infelizmente, os crimes contam com o apoio oficial do Governo do Distrito Federal, Administração de Taguatinga, Secretaria de Segurança, Polícias Militar e Civil. Há também fortes indícios de cooptação destas instituições através de pagamentos, como declarado por policiais civis e militares ao final do vídeo.

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  3. É difícil um poder público que deveria dar o exemplo - e não dá - cobrar de seus tutelados um comportamento que ele mesmo negligencia. Prova disso são as inúmeras festas, shows e atividades promovidas tanto pelo poder público quanto por empresas sob sua autorização ao ar livre, sem a devida contenção da emissão sonora aos limites do evento. Se quem deve coibir tal comportamento o reproduz sem qualquer cerimônia ou respeito (como, p.ex., as festas na Explanada que se propagam para o Sudoeste até alta madrugada, incomodando quem descansa no 'asilo inviolável' que deveria ser o lar), como querer que o cidadão ou o comércio cumpra tal diretriz legal? É um contra-senso e uma hipocrisia do poder público! E alegar que os eventos cívicos ou comunitários são exceções e se prestam a uma diversão ou comemoração necessária, representa se utilizar de um recurso retórico sofista, no qual desconsidera-se a totalidade dos fatos e a obrigação do Estado em promover o bem estar a TODOS os cidadãos, protegendo-o, inclusive, contra a ilegalidade de ações como essas.

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  4. Ontem, hoje e também amanhã, dia 15 de novembro, houve a montagem de palco na Praça da Administração de Ceilândia, virado para as residências, sem qualquer respeito ao descanso alheio, com barulho ensurdecedor. Queria saber quem libera esses alvarás e quem determina a posição do palco. Isso é legal? Quem ganha com isso na Administração da Ceilândia? Ainda vou descobrir...

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